Foi Mal
Quando o esfaqueador foi detido pela multidão e entregue à polícia, naquele instante fatídico, ele fez um pacto, um pacto de sangue no silêncio entre ele e sua consciência, rosnava intimamente, só na frente de um juiz federal, tem que ser federal, se não for federal não aceito, não vale, não falo.
Em nenhum momento, o homicida tentou reagir ou resistir às pessoas que o bloquearam. Correu? correu, correu sim, estupidamente atirando braços e penas pra frente, mas fez isso em razão dos instintos primitivos, durante a disparada, até ele pergunta consigo mesmo: Por que estou correndo, por quê?
As eleições no ano em que um candidato quase morreu a punhalada, teve fatos, digamos, baixos, repulsivos e sórdidos e de uma torpeza vil. Nunca na história desse país, houve uma eleição do nós contra eles, o bem contra o mal, Deus versus o diabo, e por aí vai.
O rival! Os dois candidatos se tratavam mutuamente por, ‘o meu rival’. Os pronunciamentos geralmente começavam mais ou menos assim com a seguinte ladainha:
__ O meu rival é na verdade um câncer, uma gangrena, um psicopata, déspota, homofóbico e truculento, já preparou um jipe com um cabo e um sargento pra fechar o congresso e o supremo tribunal federal. Blá blá blá... Por favor, vote no bem, vote em mim.
__ O meu rival que diz que sou um câncer, é um mentiroso, corrupto, o pai ou padrinho dele, sei lá qual é mesmo o parentesco entre esses salafrários, está dentro de uma jaula na polícia federal, esse sujeitinho que se atreve a pedir votos a vocês, não passa de um cone, um poste, um pau mandado de um ladrão... Blá blá blá... Por favor, vote em mim.
Agora lembrei, queria mesmo era falar de uma teoria absurda, se não fosse uma teoria absurda, seria duas vezes parva e ordinária. Pois bem, vamos a ela, foi capa de revistas, jornais e até o bonitinho do William Bonner babou na gravata por ela. Meu deus do céu!
O advogado do mestre ou guru, de um dos candidatos, apresentou a seguinte teoria; que nenhuma corrupção poderia lhe ser imputado, era um inocente tanto quanto uma criancinha de colo, sim de colo, mamando ainda no peito da gestora. O mestre ou gura estava quase a caminho da jaula da federal injustamente.
Era o último recurso, a última penada, último respiro da defesa. Antes de ser ou não ser preso num xilindró da federal. Seu advogado, senhor Jacinto Leite Aquino Rego, ruminou a defesa para o togado:
__ Meritíssimo, uma pausa nem breve nem longa, meritíssimo Ótimo Chaminé De Toce Da Lei! Meu cliente é inábil pra fazer contas, é estúpido pra qualquer operação matemática, não consegue abstrair, é um tapado, porque ele só tem nove dedos nas mãos.
__ Doutor Jacinto Leite Aquino Rego! Que história mais estapafúrdia é essa! Desde quando, alguém precisa dos dedos pra aprender matemática?
__ Meritíssimo senhor Ótimo Chaminé De Toce Da Lei, quando meu cliente foi pra escola, já era um mancebo, falava bem, muito articulado pra falar com os colegas e com seus mestres, de uma memória espetacular, discursava como um estadista. Era já capaz de falar horas e horas sem lamber os beiços ou pigarrear. Entrementes, na aula de matemática nunca aprendeu um número, fosse inteiro ou decimal, multiplicação ou soma, nada, nada nada, tudo por culpa da incapacidade de abstrair o dedo que lhe falta na mão.
Meritíssimo senhor Toce Da Lei, a incapacidade do meu cliente de abstrair, torna o inocente, incapaz de somar, é impossível que ela tenha surrupiado do erário público. como ele faria isso, ele é um idiota em matemática financeira, em contabilidade?
Diante do juiz federal, meritíssimo Tomazildo Braços fortes, o puxa-faca, pra candidato à presidência da república, mantinha a cabeça baixa, os ombros abaixados, as sobrancelhas amuadas, o lábio inferior arriado, o facínora era uma curva convexa perfeita.
__ Por que o senhor tentou tirar a vida do candidato hoje eleito? Interrogou o meritíssimo senhor Tomazildo Braços fortes.
__ Doutor juiz federal, não tenho nada a alegar quanto aos porquês. Meu único desejo é apenas dizer uma única coisa.
O facínora diferenciava de um tatu bola unicamente pelo nome, era uma curva só, uma arco perfeito, lisa como a bola 8 do jogo de bilhar.
__ Pois então fale, inquiriu o magistrado Tomazildo Braços fortes, olhando fixamente para o depoente e pensando: seu pulha!
__ Foi mal.
A cada dia que passa, cada morte causada pelo corona vírus, mais e mais pessoas ficam lembrando e remoendo a declaração do delinquente perante o juiz:
Foi mal!