A Turma de Meia Dois
1ª parte
Xantipas, Pablo, Malon e Ethan são personagens de um fato acontecido no ano de 1979. A turma era composta por mais três amigos, mas ficaremos nestes quatro especificamente hoje. Portanto, a história é baseada em fatos +/- reais.
Xantipas era dois anos mais novo, os demais eram nascidos em 1962, era mais alto, mas não era o mais forte, ele acreditava que sim, paciência, menino novo está sempre vagando em fantasias.
Até hoje, todos se perguntam: como se encontraram, como se conheceram? Como se tornaram uma turma? E o mais engraçado, saiam sempre juntos durante anos a fio. Após todos estarem casados, os encontros foram minguando, minguando, até que os encontros esvaneceram por completo, retornaram a se encontrar virtualmente, com o advento do whatsapp.
No verão de 1979, todos estavam no clube X, aliás, todos os sábados e domingos, eram sagrados, todos juntos, para nadar, jogar bola, jogar vôlei e principalmente, ficar de olho nas garotas, conheciam todas as garotas do clube, todas, sem exceção.
Era um domingo quando apareceu uma garota nova no clube, não era alta, morena bem clarinha, tipo um jambo bem maduro, olhos muito, mas muito escuros, cabelos lisos, pretos, longos até a cintura, a franja era de uma índia, uma índia de quatorze aninhos.
Pablo, rapaz muito calmo, corpo atlético, cabelo curto, liso e preto, gostava de jogar bola; uma vez uma cigana disse que ele seria um grande jogador de futebol, ainda continua acreditando na cigana.
A beleza do mundo está nas nossas escolhas, se vão se realizar, não importa, o que vale é persistir, como nosso amigo Pablo.
Os quatro tinham várias técnicas de abordarem uma garota. Como sabiam para onde elas iriam direto para a piscina X e já tinham 90% de certeza onde elas iriam ficar, seguiam para as mediações, às vezes pulavam na piscina, às vezes um ia até o bar, outro na quadra de futebol. Para marcar terreno, deixavam suas camisetas no local, assim ninguém iria ficar naquele lugar.
Malon estava ressabiado, ora olhava para o pé direito, ora para o pé esquerdo, aparava o cabelo do lado esquerdo da cabeça com a mão direita, com a outra mão segurava uma chapa de identificação que carregava no peito, com nome, tipo sanguíneo, endereço, telefone, RG, CPF, tinha até o nome dos pais!
Ethan tinha 1,75 de altura, branco queimado do sol, jurava que era moreno, cabelo escasso, risonho, os olhos azuis salvava a criatura. Ethan tinha ido até as quadras de vôlei, ao retornar à piscina, a garota já estava de prosa com os três, eles lhe disseram que ela se chamava Ketlhyn.
Naquele tempo, eles eram pacientes, não se afobavam com as garotas, apesar de serem muito jovens, agiam com uma certa maestria, experiência com devoção e paciência, o fato é que, eles davam tempo ao tempo com as garotas novas no pedaço.
Assim que Ethan chegou, percebeu algo errado, ou, uma suspeita com Xantipas, estava um tanto obcecado, meio estático, movia pouco, quase não saia do lugar, falava pouco, mas admirava a menina com cabelos de índia como se ela fosse uma et.
Os quatro abandonaram a noviça sozinha e seguiram para jogar futsal, Xantipas, num primeiro momento, refugou, deu uma emperrada, mas Pablo disse:
-- Bora lá Xantipas, vamos bater uma bola!
Ethan percebeu que o irmão de Pablo estava com o freio de mão puxado até a metade, pois foi disfarçadamente se arrastando.
Após três semanas, os quatro já eram amigos bem próximos de Katlheyn. Malon apelidou-a de ratinha, ele insistia em dizer que ela tinha a cara de uma ratinha, não entendia por que a admiração dos colegas pela criatura, ela tinha uma cinturinha de ovo. Pablo se divertia com as observações de Malon, Ethan ficava refletindo exaustivamente a imagem de uma ratinha na cara da menina, já Xantipas ficava caladin, olhava para as nuvens, coçava a orelha, passava a mão na testa, ajeitava os óculos, começou até a balbuciar quando começava a falar dela.
Na quarta semana, Ethan percebeu algo superinteressante, Xantipas percebia, sentia ou intuia quando Katlheyn chegava no clube. Do nada, cruzava as pernas, prendia uma mão debaixo do sovaco e dizia:
-- Ela chegou!
Com o passar dos dias, Xantipas sabia o tempo e onde ela estava no clube.
Num sábado, do nada! Num solavanco como um desiquilibrado, o irmão de Pablo começou com suas premonições:
-- ela chegou na portaria, desceu as escadas, entrou no vestuário, saiu, agora ela vai virar ali oh.
Incrível! Ele narrava como se tivesse uma bola de cristal. O que deixava Ethan e Malon encabulado, era que o vento estava a favor, ou seja, Xantipas não tinha como sentir o cheiro dela, se é que isso seja possível.
Neste mesmo sábado, Ethan e Malon, foram até Abhalon trocar uma ideia com ele. Abhalon cursava medicina, mancebo muito inteligente, o problema do estudante de medicina, era que, às vezes, os quatro ficavam em dúvidas com ele, pois muito inteligente, às vezes era sério, às vezes jocoso ou embusteiro por puro sarcasmo.
Explicaram tudo sobre as premonições de Xantipas, inclusive sugeriram: Você deveria estudar psiquiatria, pois o caso do nosso amigo vidente seria um caso clássico para você!
Após um longo tempo de meditação, Abhalon foi até um tanque, lavou as mãos, o rosto e nos surpreendeu:
-- Vou me especializar em Ginecologia. Procure um pai-de-santo, ou um babá-orixá. E vocês vazam daqui, preciso estudar, cambada de mulambentos!
No domingo, os quatro estavam conversando com Ketlhyn na beirada da piscina, Malon olhava para uma garota do outro lado, através de códigos Ethan e Pablo ia decodificando os códigos de Malon sobre os atributos da garota em sua mira, Xantipas estava travado em Ketlhyn.
Pablo estava sentado com as pernas dobradas, porém abertas, com a mão esquerda firmava o pé esquerdo, com a unha do dedo polegar da mão direita, tentava insistentemente limpar por baixo da unha do dedão do pé esquerdo, cavoucava com força. Até sair um trem preto de lá.
Xantipas tentava tourear a atenção de Ketlhyn de todas as formas, mas ela só olhava para o Pablo fuçando o dedão do pé com a unha do dedão da mão. Suas respostas para Xantipas eram evasivas, distantes, assim como Pablo estava com sua atenção longe de onde estava. Por volta das quatro horas da tarde de sábado, Kethlyn conversando com Pablo disse:
-- Olha, eu moro ali ô! Sabe né? perto do moinho, quando vocês estiverem por aquelas bandas passam lá, vai lá em casa, prometo, um cafezinho, eu garanto.
É obvio, ela estava convidando o Pablo, por educação, falou ‘vocês’, o irmão de Xantipas continuava com a limpeza, agora de uma unha encravada, com sua paciência bovina sem mexer um milímetro a atenção, respondeu:
-- Uai! Então tá.
Malon falou em particular com Ethan:
-- Quanto você quer apostar que o desmiolado do Xantipas vai aparecer amanhã na casa da ratinha?
-- Nada, até porque sei que ele vai me convidar para ir junto, quer apostar quanto? Afirmou Ethan.
Domingo, o sol lembrava o inferno de Dante, quente, o ar seco e vento que é bom! necas-ti-biribas.
Neste domingo, Xantipas se recusou a ir até a piscina, não arredou pé das quadras de vôlei. Por mais que os amigos insistissem, ele tornava-se mais resoluto:
-- Não! Não vou, já falei que não pô. Se não querem jogar vôlei tudo bem, vão embora, me deixe em paz, seus gays.
Às vezes, quando o surtado pela indiazinha ficava nervosinho, chamavam os amigos de gay. Todos entendiam, coisas de adolescente.
Quando os três estavam deixando Xantipas, ele gritou:
-- Ethan, preciso falar com você, tem que ser agora! Você pode né?
Malon captou o que seria a conversa, sorrateiramente, arrastou Pablo com ele, dizendo:
-- Vamos deixar essas duas menininhas amarrarem os bigodes.
Pablo caiu na risada, seguiram direto para a piscina.
A quadra de vôlei que era coberta, lembrava o purgatório da Divina Comédia. Xantipas diante do amigo, estava com a foz dócil como de um cão amigo, o olhar como de alguém que segue para a guilhotina.
-- Ethan, preciso de um favor, e não aceito um não como resposta ok! O babado é o seguinte, hoje a Kethlyn não vrá aqui, eu sei, então, lá pelas seis horas, nós vamos lá na casa dela, combinado?
O que comoveu Ethan foram os olhos rútilos, chamejantes e o levíssimo tremor do lábio inferior de Xantipas enquanto falava. Ethan quase chorou de piedade pelo amigo.
-- Tudo bem, afinal! Somos amigos, e amigos são para essas horas né! Falou Ethan comovido, à beira de um choro de tanta pena pelo amigo.
A conversa ocorreu por volta das dez horas da manhã, os dois combinaram de se encontrar, na praça Sérgio Pacheco, próxima à rua Monsenhor Eduardo, exatamente as seis horas daquele dia.
Ethan foi encontrar os colegas na piscina, a moreninha realmente não apareceu, e Xantipas foi embora para casa.
Com certeza, quando chegasse em casa sem seu irmão e ansioso como estava, a mãe dele fatalmente, faria um chazinho de camomila para o filhinho desacelerar o coração. Afinal, mãe é mãe, não é? sabe tudo, apenas numa piscadela percebe tudo em suas crias.
Às seis horas Ethan encontrou o amigo no local marcado.
-- você demorou sô! Por quê?
-- calma lá amigo! Olha aqui, olha no meu relógio, são seis hora ô!
Xantipas estava com o humor e determinação de um javali selvagem correndo atrás de uma javali no cio escondida num milharal.
O rapaz caminhava mergulhado em mil pensamentos pela donzelinha, estava cheiroso demais, não falou nada durante o percurso, vez ou outra, olhava para o amigo discretamente, apenas movia a cabeça com o queixo preso ao peito.
Duas coisas eram dadas como certas, seriam convidados a entrar e tomar o cafezinho conforme o prometido. Quando Xantipas atravesse a porta da casa, com certeza, estaria adentrando o paraíso.
A casa ficava numa esquina, tinha um alpendre pequeno, um vaso no canto com uma planta, comigo-ninguém-pode, a porta era de madeira de duas folhas pintada de cor cinza claro, e tinha um olho mágico, que na verdade, era um buraco improvisado com um vidro.
Xantipas bateu, uma, duas, três vezes e nada, entre a terceira vez e a próxima seção de batidas, Ethan percebeu que o olho mágico havia escurecido e depois voltou a ficar claro.
Devido a casa ser de esquina, no outro lado, ficava outra janela, e foi de lá que os dois saltimbancos ouviram uma voz:
-- Oi! Vem aqui, estou do lado de cá, vem cá, vem!
Arisco como um gato sendo escaldado, Xantipas saiu em disparada para o local em que se encontrava a donzela.
Ethan seguiu logo atrás, devagar e meditabundo, com certeza, a porta do paraíso não abriria para seu inestimável amigo. Com certeza, seu amigo teria uma passagem rápida pelo purgatório, para em seguida, seguir lentamente para o inferno.
Confabulando consigo, ventilava a seguinte ideia: o paraíso só existe graças ao inferno; já imaginou se não existisse o inferno?
O paraíso seria um inferno! Psicopatas, assassinos, estupradores, ladrões, torturadores, todos lá, se abraçando, jogando e bebendo com as suas vítimas, todo-mundo rindo todos os dias, bebendo o dia todo e ninguém ficaria bêbado, e desafiando a gravidade por toda a eternidade.
Conversaram sobre tudo, mas convite para entrar e tomar cafezinho, os dois já sabiam, jamé, de jeito nenhum. A conversa tomou uma rumo ruim, quando a donzelinha perguntou pelo Pablo. Logo à pergunta, veio um suave censura para Xantipas:
-- Por que você não trouxe seu irmão? Ele é muito amável, uma gracinha, eu gosto muito dele!
Aquela reprimenda no amigo de Ethan foi o mesmo que uma lança trespassando pelo coração do amigo, o sorriso amarelou, o humor esvaiu-se, o cavaleiro fora abatido moralmente, manter as pernas eretas, com certeza, era de fazer uma força sobre-humana para Xantipas.
-- Pablo foi para a fazenda do pai dele, vou te confessar uma segredo, meu amigo tem um hobby, tirar os carrapatos das vacas na unha, é uma obsessão, no mínimo uns duzentos carrapatos têm que ser retirados, enquanto não atinge essa média, Pablo não volta pra casa. É uma loucura! Vários aracnídeos ectoparasitas hematófagos, estouram quando ele retira do couro do animal. Você acredita que Pablo limpa as mãos na calça e não lava as mãos quando volta para casa? Disse Ethan.
-- Mesmo! Que gracinha, Pablo se preocupa e cuida dos animais? Nossa! Eu amo demais as pessoas que são como o Pablinho, que lindo. Falou Kethlyn.
-- Já é noite e nem percebemos, é melhor irmos embora, outro dia, quem sabe, a gente volta, não é mesmo! Falou Ethan.
-- Mas o Pablo tem que vir tá, o Marlon também, vou fazer até pão de queijo se vierem os quatros, combinado?
A mocinha não deu sequer um aperto de mão, ou um tchau com a mão, manteve as duas mãos apoiando o queixo, o cabelo estava com duas tranças penduradas, uma trança em cada ombro.
O irmão de Pablo parecia que havia levado um tiro no joelho esquerdo e com o braço direito quebrado na altura da clavícula. Xantipas definitivamente, seguiu o caminho de casa como uma assombração que se arrastava, como se possuísse correntes pesadíssimas presas aos seus pés, respirava com dificuldade.
Naquela época, se existisse celular, com certeza, reuniríamos todos os amigos para consolar nosso amigo adolescente que se sentia atropelado por uma manada de búfalos.
-- Dê onde você tirou essa ideia estapafúrdia que meu irmão tira carrapatos na unha? Meu pai nem fazenda tem?
-- foi a única ideia que encontrei para te ajudar, afinal, aquela sirigaita com cara de rata já estava me dando nos nervos com aquela conversa besta de Pablo... Pablinho...
Ethan acompanhou seu amigo até a casa dele, Xantipas passou pelo portão, seguiu até a porta, tirou a chave da porta do bolso da calça, e destrancou a fechadura, ao abrir a porta despediu do amigo:
-- Deus sabe o que faz.
Assim que Xantipas entrou na casa e fechou a porta, Ethan seguiu seu caminho lentamente, muito, mas muito lentamente. E perguntou pra sí mesmo:
Será que Deus tem alguma coisa a ver com isso?