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                                     Delegado


Quando o filho terminou o curso de direito e começou a se preparar para o concurso de delegado, a mãe era só alegria, expunha tanto os dentes branquinhos que até irradiava luminosidade.

Agora o meu filho vai ser respeitado, vai ser autoridade! Manda prender, manda soltar. Agora eu quero ver essa gentinha desmilinguida, sirigaita encher meu saco, falar nas minhas costas. Povinho metida a besta, esse aqui do bairro.

Quero ver quem vai me olhar de atravessado! A mãe do futuro delegado num arrombo era puro ranço e êxtase.

 O pai mantinha-se num canto só expiando a esposa, filmando os rompantes emocionais da patroa, roía as unhas sem pressa, observava o filho de cima a baixo, do bico dos sapatos até o cocuruto. Não fazia calculo nenhum, só observava o filho atentamente. Só na psicologia! Bem quieto no seu cantinho.

Nove meses se passaram, no quinto dia, saiu a lista dos aprovados na primeira fase. Lá estava o nome do filho encabeçando a lista. Primeiro colocado disparado.

A mãe!  mamãe Lucrécia não se aguentava de tanta felicidade, riu tanto, tanto que, passou a chorar, numa derrapada emocional, escancarou a cara na janela que era voltada para a casa da vizinha e gritou. Puro desabafo:

-- Suas piranhas! Se metam comigo agora! Meu filho joga esse traste da sua filha no xilindró. Acabou os programinhas da sua filha aqui na rua. Quengas! Raparigas!

 A mãe do doutor delegado era satisfação e gozo. Abraçou o filho exatamente como no dia que ele nasceu.

O progenitor, senhor Ulrich, continuava como dantes, mensurava a sua cria de norte a sul e vise versa. Caminhou até o meio da sala, chamou o filho:

-- Vem cá!

Quando rebento e genitor estavam téte a téte, o pai deu um tapa no ombro direito do filho e parabenizou o dizendo apenas:

-- Corra atrás dos seus sonhos sem olhar para trás. Se olhar, tropeça, cai e racha a moringa.

Quinze dias depois do anuncio da aprovação de Cadreel, ele seguiu para as provas práticas e aptidão física. O filho de dona Lucrécia, não se saiu bem, ele foi perfeito! Este fato irritou imensamente os examinadores.

As avaliações das provas práticas de Cadreel eram para muitos instrutores, cravarem as unhas no couro cabelo e arrancarem tufos e tufos de cabelo, pele aos montes devido a pontuação de Cadreel.

Foi uma verdadeira desgraça, um empecilho para remanejar os aprovados conforme os interesses dos políticos.

O secretário de segurança pública, até tentou remanejar o filho do senhor Ulrich para o interior do Estado. Pra que! O filho de dona Lucrécia, não hesitou um minuto, nem sequer um segundo! Enfiou o dedo na cara do secretário e rosnou alto:

-- De jeito nenhum karai! Passei em primeiro lugar nessa porra! Eu vou pra capital, é um direito meu, caralho!

O destemido e valente do Cadreel tinha lá suas peculiaridades, tipo, era baixo demais para o exercício de delegado, tinha apenas um metro e cinquenta e cinco centímetros de altura, mas como a lei não determinava a altura mínima, tiveram que engolir o tampinha. Tampinha invocado.

Cadreel usava um revólver na cintura, mas o cano roçava o joelho, ao ponto de, às vezes, de causar sangramento na patela do delegado.

Como não encontraram brecha na lei para enviar o baixinho invocado para o interior, despacharam o para a capital mesmo, mas sob severas observações.

Suas diligências seriam direcionadas conforme o delegado mor da capital determinasse. Diziam as más línguas, que o delegado mor era chefe de uma quadrilha de roubo de cargas.

O primeiro caso que designaram para Cadreel foi um assalto a um minimercado na periferia. Com seu revólver na cintura, roçando-lhe o joelho, chamou seu imediato.

Asmodeus. Seu imediato era um sujeito mal, mal-intencionado, cínico, burro como uma porta, mas fiel como um cachorro. Ser fiel para o filho do senhor Ulrich era tudo que ele exigia de um subalterno. No final da semana Asmodeus já era parceiro e conselheiro do delegado.

O roubo no minimercado causou uma certa estranheza, o ladrão havia levado apenas latas de sardinhas no óleo, mais nada foi roubado, apenas as sardinhas no óleo, as sardinhas no molho estavam todas lá.  As com datas vencidas no óleo foram surrupiadas também.

-- Putakipariu! Querem me fuder! Investigar um furto de latas de sardinhas. Esse ladrão ou é um demente, ou um retardado? Ruminava o delegado já estressado. Andando em círculo e coçando a testa com seu Magnum 44 prateado.

Cadreel olhou para Asmodeus e lhe perguntou;

-- Você tem algum informante nesse fim-de-mundo?

-- Chefe, eu acho que não é uma boa a gente queimar nosso filme com um porra louca que surrupiou esses enlatados não! Os X9 e os agentes na repartição vão rir na nossa cara!

Na semana seguinte, o delegado novato foi designado a retornar novamente ao mesmo minimercado. Chegando lá, outro roubo de sardinhas, só sardinhas no óleo.

O dono do estabelecimento bufava com um cigarro sem filtro no canto da boca e um palito de dente no outro canto da boca. vociferando perguntou ao delegado recém-chegado na capital:

-- Eaí, doutor! O senhor vai resolver esse caso pegando esse meliante filho da puta, ou terei que parar de vender sardinhas no óleo?

O jovem mancebo da lei saiu do local com a cara no chão, tropeçando no seu orgulho, não despediu nem deu satisfações para o denunciante. Entrou no carro, bateu a porta com força.

Estava com tanto ódio de tudo e dele mesmo que começou a coçou o céu da boca com o revolver.

Asmodeus arrancou o carro, mas para não atropelar uma galinha desavisada que cruzava a rua, brecou bruscamente a viatura.

O delegado disparou seu Magnum 44 acidentalmente. O projétil atravessou a caixa craniana do infeliz, destroçando a testa e a moleira.

O projetil vazou o teto da viatura e estilhaçou com a porta de vidro da sacada do apartamento do segundo andar. Veio a óbito quinze segundos após deflagrar a arma, mas teve tempo suficiente para questionar o divino olhando para Asmodeus:

-- Meus Deus, por que isso? Por que o senhor não me acelerou para o interior?

Asmodeus com a cara toda chuviscada com o sangue do delegado, falava rilhando os dentes:

-- Meus Deus! Que merda que eu fiz? Por que eu não atropelei a desgraçada da galinha!
 
 
 
 

 
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 12/05/2018
Alterado em 12/05/2018


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