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                                        Maria Antônia.


Maria Antônia é uma mulher singular, quando criancinha, era diferente de todas, seus modos e sua postura eram únicos.

Mulher magra, alta, passos sempre tardios, mas era o olhar e a postura do pescoço que chamavam a atenção.

Quando andava ou quando sentada, estava com as costas e o pescoço reto, o olhar sempre na direção do horizonte, reto, quando queria ver algo acima, movia apenas os olhos, assim era para baixo e para os lados.

Senhor Antenor, tinha mais dois filhos. Além de Maria Antônia, Rômulo, era médico obstetra e Benjamin, formado em veterinária.

Já a filha quando terminou o segundo grau, não quis mais saber de estudar. Os pais e irmãos insistiram, mas ela não moveu um milímetro, disse seca e decidida:

--Chega, basta! Já sei o suficiente para viver essa vida! Me deixem em paz.

A vizinhança adorava ver a filha do senhor Antenor. Apesar de não ser risonha, quando saia à rua, usava sempre vestidos longos sem decotes. Era o pudor em carne e osso. Entretanto, era prestativa e atenciosa.

Houveram situações até engraçadas entre os vizinhos por causa dela. Quando um comentário a respeito de Maria Antônia era feito, por pessoas que acreditavam que ela era metida a besta a respeito do seu caminhar e de sempre manter a visão no horizonte, era defendida com muito vigor pelos vizinhos:

-- Negativo querida! Ela é ótima pessoa, fala pouco, sai pouco, mas é muito amiga de todos nós da vizinhança.

O irmão médico e o irmão veterinário, estavam noivos, suas noivas adoravam conversar com a cunhada, às vezes deixavam alguns programas já agendados com os noivos só para conversar e ter a companhia de Maria Antônia.

Sexta feira, a família estava reunida para jantar, pai, mãe, irmãos e as noivas, Berenice e Beatrice, todos já haviam se servido, quando Maria Antônia, levantou e disse:

-- Pai, mãe, meus queridos irmãos e minhas queridas cunhadas, quero informar a vocês que estou grávida. Mantendo o olhar sempre adiante, sentou-se e começou a comer uma porção de quiabo.

As cunhadas trocaram olhares de espanto total, ficaram apopléticas. Os irmãos começaram a rir, tiveram um surto de gargalhadas. A mãe, dona Brígida, manteve a serenidade, mantendo se quieta, observava só a filha. O pai, senhor Antenor, engoliu um naco de carne quase impossível de romper a garganta e chegar ao estomago.

Quando senhor Antenor sentiu o pedaço de carne chegar ao estomago, levantou normalmente e foi em direção ao seu quarto. Ao passar pelo portal do quarto, gritou:

-- Muiê! Venha aqui agora!

Dona Brígida, levantou, pediu licença a todos e disse que voltaria logo.

Quando entrou no quarto, o marido trancou a porta e falou:

-- Que graça é essa! Você está debochando da minha cara? Que chacota é essa agora Brígida! Você sabe muito bem, eu jamais faria uma coisa dessa com você.

Antenor! Vai lavar essa boca e escovar os dentes, sua boca está igual uma lata de lixo! Volte depois.

A esposa tinha lá suas razões: os dentes do marido estavam cheios de casca de feijão, pedaços de couve e um monte de fiapos de carne entre os dentes.

O esposo foi, todavia, ao passar pelo closet, limpou a boca gordurosa na manga do melhor vestido da esposa. De raiva, não da esposa, mas da notícia da filha. Não escovou os dentes, apenas enxaguou a boca, depois gargarejou um produto líquido verde na boca, sabor menta, e seguiu para o quarto.

Quando chegou na alcova, a mulher estava deitada de barriga para cima, com uma mão no umbigo e a outra na testa. Os fiapos de carnes continuavam entre os dentes do marido, mas como ela mantinha os olhos fechados, respondeu o marido:

-- Antenor, eu não sei de nada, estou tiririca, tão abalada quanto você, eu prometo, vou conversar com ela assim que ficarmos sozinhas.

O esposo ajeitou o revólver na cintura e ganhou a rua. As noivas saíram logo depois. Maria Antônia lavou a louça os talheres e seguiu para o seu quarto.

Quatro horas depois, o marido retorna para casa com um cacho de bananas. A mulher espantada com aquelas bananas nas mãos do marido. Ele disse:

-- Troquei pelo revólver, seja como for, seja quem for, o fedelho precisa ter um pai.

-- Antenor, ela não falou nada, não me respondeu nenhuma pergunta, cansei de perguntar, desisti.

Sábado, na hora do almoço, todos estavam reunidos, menos as noivas, então a filha levantou e falou com a família:

-- Não vou revelar quem é o pai do meu filho. Não aceito que vocês insistam em saber. Por favor, respeitem o meu silêncio.

Outra coisa: eu não vou dar a luz a uma criança, eu estou prenha e vou parir minha criação como todas as fêmeas.

Não vou fazer parto em hospital, de jeito nenhum! Vou parir no mato, como todas as criações dos mamíferos parem.

O irmão médico foi a loucura, o veterinário rosnava. Os dois imploraram para ela não fazer aquilo, a criança morreria, poderia ter sequelas graves. Os pais não acreditavam no que ouviam da filha, por fim o pai disse:

Maria Antônia, você tem certeza? Você está decidida a correr o risco de perder o seu primeiro filho por teimosia? Abrir mão dos conhecimentos dos seus irmãos?

-- Sim pai, as índias parem seus filhos sozinhas, todos nascem, crescem e tornam se homens ou mulheres perfeitos.

No terceiro mês após a notícia, a mãe conseguiu convencer a filha de ter uma parteira durante o nascimento do bebe. Era uma senhora já velha, magra, cabelos amarelos sem vida de tanto tingir. Andava curvada com ajuda de um cajado. Dona Bibiana.

Domingo o tempo estava nublado, as quatro horas da tarde, dona Bibiana conheceu Maria Antônia. Aproximou da gestante com passos lentos e indecisos, a idade machucava a velha senhora, colocou a mão na barriga da grávida e disse:  

-- Na sétima lua nova, você vai procriar, esse bichin vai ganhar esse mundão de Deus.

Senhor Antenor explicou para a vizinhança, só para os casais, que a filha teria o filho no terreno em frente, a filha não abria mão de ter seu fiote como as índias ou como os animais. A vizinhança compreendeu, tudo combinado, no dia, a molecada iria ficar longe do terreno.

A sétima lua nova chegou, as nove horas da noite, a parteira já estava no terreno esperando Maria Antônia. A filha de dona Brígida, seguiu sozinha, caminhou devagar, não aceitou nenhuma ajuda, rompeu toda distância até o terreno sozinha.

Maria Antônia ficou de cócoras, não gemeu nenhuma fez sequer. A parteira, que era benzedeira também, fez suas preces, suas mandingas, seus trejeitos e rituais. Quando a velha parou os movimentos dos braços e agradeceu ao senhor das estrelas, aquela nova criatura, a criança nasceu. A criança não gemia, só um chiadinho da respiração que saia do rebento.

A mãe queria cortar o cordão umbilical com os dentes, mas a parteira impediu, maria Antônia, insistiu, a parteira não permitiu. Devido ao cansaço, foi vencida. A parteira cortou com as unhas dos polegares.

A progenitora com a criança no colo regressou para casa, deu banho na cria, colocou no berço, em seguida foi ao banheiro, tomou banho, se vestiu, deitou na cama e dormiu.

Na noite seguinte ao nascimento do guri, a filha disse aos pais:

-- Eu mesmo vou levar meu filho para ser registrado, vou fazer isto dentro de dez dias. Meu filho será batizado somente na fogueira de São João. Ele terá o nome do pai. Só direi o nome dele depois de batizado.

No décimo dia, após o nascimento do pirralho, era dia de São João. O menino seria registrado e batizado, junto a fogueira.

Estava tudo ajustado com os festeiros e com o juiz de registro.

Uma hora antes que a festa começasse, a festa foi desfeita, a criança e Maria Antônia estavam mortos, morreram de tétano, a causa foi a unha da parteira.

 
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 17/04/2018
Alterado em 17/04/2018


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr