Muito Cansada Demais.
Parte I
Naquele fim de tarde, chegou mais tarde do que nos dias anteriores. Estava tão cansada que lembrou uma expressão de um estrangeiro que morava no Brasil a pouco tempo. Quando ele queria expressar muito cansado falava: “Hoje estou muito cansado demais”.
-- Hoje estou muito cansada demais, repetiu em voz baixa e entrou em casa. Entrementes, quando se deu conta já estava dentro da casa. Lembrou que não abriu a porta, a porta já se encontrava aberta.
Retrocedeu dois passos e avançou cinco já tomada pelo pânico. Agindo de forma atabalhoada, um medo súbito lhe fez estancar no quinto passo. Balbuciou a si mesma:
-- Será que há mais alguém aqui agora?
Pé ante pé retrocedeu ao passeio público. Não retornou à calçada correndo, mas com certa ligeireza e desembaraço. Mantendo a mão esquerda escondendo os lábios e comprimindo a barriga, levou a mão direita entre os seios. Não se sentia segura. Com uma expressão de esgar e sensação de alivio de um perigo eminente, arrefeceu um pouco o corpo.
Valentina Flores se recompôs dentro da roupa, mantendo as mãos na boca e entre os seios respirou profundamente, respirou e inspirou lentamente, muito, muito lentamente de olhos fechados.
Cabelos negros longos que lhe roçavam os quadris, lábios carnudos e grandes. Valentina Flores olhou para a casa. As janelas bem fechadas, cravou seu olhar nos vasos de plantas que ficavam nas janelas. Todos estavam lá, exatamente como os deixara pela manhã.
A noite começou a devorar o dia como um animal sedento de fome. Não haviam crianças a brincar na rua, não havia o vai e vem de carros, era um sossego só. A solidão, na sua inocência, segurou nas mãos de Valentina e a conduziu para o interior da casa.
Trancou o portãozinho caminhando lentamente e confiante adentrou sua casa. Ligou o interruptor da sala e a luz alumiou o cômodo. Tudo em ordem, não faltava nada. Penetrou na cozinha, tudo estava como deixara pela manhã após o café. Assim como deixou a luz da sala alumiando, também deixou a da cozinha. Seguiu por um corredor que a levou ao quarto, mas teve que andar na penumbra, a lâmpada estava queimada. Embrenhou se na penumbra e alcançou a porta do quarto.
-- Eu deveria pegar uma faca? Ou o amassador de carne, talvez uma vassoura! Não! Não! Armas nas mãos de pessoas inocentes acabam sendo vítimas de suas próprias armas, ponderou Valentina.
A porta não tinha maçaneta, então empurrou-a e a penumbra se fez uma escuridão total. Imóvel à entrada do quarto, sentiu um aroma agradável, suave, delicado, inebriou se do perfume. Ascendeu a luz.
Descansando no seu travesseiro de cambraia de cor carmim havia um botão de rosa vermelho, uma haste muito comprida, verde, com folhas, sem espinhos.
Reteve as lágrimas, sufocou o choro, comprimiu o peito. Levou uma das mãos a garganta, mas vencida por um sentimento intenso, chorou baixinho. Fechou os olhos, tampou-os com as duas mãos, ajoelhou-se ao pé da cabeceira da cama. Não maltratou o botão de rosa, depositou-o ao pé da cama. Elevou as mãos aos céus, não rogou nada, apenas buscava entender o que acontecera, por fim manifestou gratidão à Deus por estar segura.
-- As portas estão todas abertas! Despertou Valentina após um breve torpor. Levantou devagar, foi até a sala, correu a chave na fechadura da porta e aferrolhou-a. Desligou a luz da sala, da cozinha e foi direto para a cama, na escuridão uma lágrima lhe sulcava a pele lentamente até a junção dos lábios, navegou em sentido para o quarto em ondas intempestivas, estava muito casada de mais.
Obs: a imagem foi retirada do google.