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                                                                       Cara de pau.

     Cara de pau! A voz firme ecoou nas quatro paredes do quarto. Olhos abertos, olhos castanhos com tons esverdeados, mantinha-os firmes à sua frente. Não repetiu a frase, mas a sustentava-a pela intensidade do olhar, um olhar que ora mais verde, ora mais castanho. Corpo teso, escultural e sedutor, lábios provocantes, nariz embicado, sobrancelhas de tão finas que pareciam ser desenhadas.
     Ao pé da porta, uma mistura de riso e engasgo cortou o silêncio que reverberava por todo o quarto, de modo meio débil, fútil, insolente e covarde, olhou para o chão. O peso que sentia sobre os ombros não lhe encorajava a enfrentar um olhar convicto, consciente e ciente que lhe era esperado.
     No quarto haviam quadros. À esquerda para quem adentra o quarto, tinha o fundo todo alaranjado com uma flor no centro em cor totalmente preta. As pétalas com as nervuras por onde passavam as ceivas eram nítidas, perfeitas, haviam gotas que se formaram pela possível mudança de temperatura, surgiram como suor, como sangue, como desejo, como vida.
     Na parede em que a cabeceira da cama descansava, ficava o segundo quadro, muito vermelho, muito verde, muito marrom, fachos de luzes que surgiam pelas frestas das cores, sombras que caiam sem harmonias, mas constantes no halo das cores que se misturavam pela intensidade em luta constante com as sombras.
     A cama mais lembrava um catre, todavia, era usada como uma cama de comensais, arautos, paladinos, fidalgos às vezes manja-léguas. Cama reforçada, suas tábuas laterais eram de jatobá, quatro pés em mogno em um retângulo perfeito nas medidas, um quinto pé, esse no centro. A cama foi um dia branca, mas o tempo lhe surrou tantas vezes sem temor; lascas, ferpas e traças apareceram por toda a cama. Na cabeceira apenas duas traves recobertas em espuma e veludo verde com roxo.
     Havia duas portas, ambas eram entrada e saída, uma de metal, a outro de madeira. As duas foram recobertas por pedaços de folhetins, periódicos de ciências, fotonovelas, crônicas, anúncios de empregos, rixas políticas e muita literatura fútil e cheio de vilanias que levava o leitor ao riso ao final da leitura; mas a leitura não ia até o seu término, afinal eram alguns pedaços pregados ali a esmo.
     Vestiu a calça branca em seguida, mas não na ordem, sapato marrom cromo alemão, cadarço preto, meias pretas, camisa azul clara, gravata branca, colete branco, paletó de linho 120 azul petróleo, um lenço no bolso da calça e uma rosa no bolso do paletó, a cor da rosa? Já temos a cor da rosa, leitor amigo.
     Não era alto, nem muito baixo, gostava de exibir seu relógio Orient de fundo verde, tinha até ponteiros de segundos. Anéis nos dedos, não em todos, apenas em dois dedos da mão esquerda. O primeiro era da formatura que nunca concluíra, de prata, uma fina linha em ouro e uma pedra preciosa que sempre estava brilhando. O segundo era de aço, ocupava toda a falange próxima da mão e espesso como uma peça de máquina.
     Sempre se vestiu lentamente, escolhia as peças muito minuciosamente, de uma atenção que beirava o ridículo. O que lhe impressionava eram as cores e o tecido sempre liso, sem quebras, vincos, algo que não fazia parte da peça lhe tirava do sério, às vezes perdia a compostura, o equilíbrio.
     No seu frisson tornava-se um ser desvairado, bastava apenas um amarrotado, um vinco uma mancha em suas roupas de linho. Uma vez avançou pra cima de uma pessoa, só porque ficou dobras na gola da camisa que ficava por debaixo do paletó!
     Abriu a porta, devagarinho puxou o trilho que travava a porta por dentro, o ferrolho úmido, de cor parca, a porta suada na parte de fora. Um pedaço de luz fugiu para a escuridão que rodeava o quarto, um pedaço de luz descortinava possíveis caminhos a tomar na escuridão.
     A escuridão não lhe assustava, nem o desconhecido ou o fabuloso, mas as sentenças que vem nos olhares.  A escuridão de um olhar fere verdades milenares, sentimentos puros, emoções indomáveis.
     Não saiu de imediato, fechou a porta, mas não correu a tranca, apenas apoiou a porta com o peso de um dos ombros. Alisou o chapéu de palha levando-o a cabeça. Agora que vestiu, virgem e forte dentro de sua fantasia, estendeu a mão com o combinado, mantendo os olhos cobertos pelo chapéu.
 
 
 
 
 
 
 
 
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 06/02/2017
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