Um Olhar a Deriva
Capítulo II
Vampira Desdentada
Amoroso Noites e Dias, negro alto, muito forte e sorridente para as mulheres. Sempre de bom humor, morava no bairro das Batatinhas, perto, muito perto do bairro Dos Aflitos. Morava num pardieiro na Rua dos Cachorros Loucos, uma moradia de dois quartos, a fossa ficava fora da casa, se lavava todos os dias com caneca.
Na frente de seu pardieiro havia um gramado com vasos de hortênsia e beijos brancos, as mulheres gostam de flores e estas flores se mantinham na mente de Amoroso Noites e Dias porque as mulheres gostam de recebê-las.
Noites e dias Amoroso trabalhava arduamente, trabalho espinhoso, homem muito calmo quando com uma peixeira na cintura e muito alegre quando tomava umas cachaças. Não era valentão, mas não fugia de situações adversas, se brigou, brigou pouco. Dizem que uma das vezes, foi no bar Sheryaelhã. Não se tem mais notícias do seu oponente, uns dizem que brigou com o Etílico da Silva, mas seu oponente nunca mais voltou, foi embora e ninguém sabe se foi para cima ou para baixo!
Zé Prego deu uma versão, mas os moradores não gostam desses acontecimentos no bairro das Batatinhas. A espelunca do boteco de Zé Prego ficava no encontro das ruas Porrete Armado com a rua Dos Beiços Amassados e foi pela rua Dos Beiços Amassados que Etílico da Silva esquivou-se pela madrugada após o entrevero que tivera com Amoroso Dias e Noites.
Zé prego era o dono do Bar Sheryaelhã. O balcão do bar era em forma de L, a parte menor virada para o lado da rua Dos Beijos Amassados, a parte maior fazia frente com a rua Porrete Armado. As mesas ficavam paralelas a rua Porrete Armado.
O carteado ficava alinhado com a rua Dos Beiços Amassados, no encontro das paredes do lado direito bem ao fundo. Atrás da mesa do carteado ficava a mesa do jogo do bicho. Contando com a mesa do carteado e do jogo do bicho haviam mais sete mesas.
Cachaças de várias marcas, conhaques apenas de duas marcas e whisky só uma marca, Vat 69. Alguns pratos de tira gosto: peixe-frito, ovo, quibe, quibe com ovo, linguiça, pé de porco e asa de frango.
Os clientes eram na maioria gente muito simples, gastavam suas economias no bar a noite, alguns pinguços inadvertidos e inveterados começavam à tarde.
Sexta-feira o bar estava bufando, carteado, mesas cheias, muito conversa e risos altos. Etílico da Silva era um sujeito de paz, mas quando bebia, às vezes, tinha crises psicóticas e se metia a besta a fazer gracinhas com pessoas que eram mais fortes que ele. Naquela noite, Etílico da Silva mamou até chapar o melão e achar que já estava no ponto pra fazer das suas.
Amoroso Noites e Dias chegou ao bar, era 23:25 da noite, com ele uma meretriz, eles foram para o balcão. Ele apoiou um cotovelo no balcão e com o braço direito enlaçou pela cintura a cândida quenga que ele arrastara para o bar.
Era uma quenga muito simpática, esbelta, pele bronzeada, de pernas bem grossas do joelho acima, boca grande e lábios carnudos, seios fartos, olhos muito grandes e escuros como açaí.
Um vestido colado sem mangas e com um decote em V nas costas, vestido amarelo com listras verticais de cor lilás e verde alternadas. O sapato tinha um salto muito alto. No vestido, próximo ao coração havia um broche de um arqueiro em metal de cor ouro envelhecido. Ela não passava de 1,61 de altura.
Etílico da Silva ao ver Amoroso dirigiu-se até ele com os passos indecisos, frouxos e perdidos. Suando pinga, levou a mão suada até a cintura de Amoroso e abraçou-o pela cintura. Abraçado a cintura de Noite e Dias e com uma perna por detrás de Amoroso, falou num tom que todos ali podiam ouvir:
-- Hoje tu vais tomar atrás do saco comigo!
Enquanto Amoroso tentava ficar de frente para o rabugento, ouviu do enfadonho outro insulto:
-- Tu gostas de tomar atrás do saco, então vais tomar hoje e é comigo.
A meretriz que acompanhava Amoroso não gostou da brincadeira, achou até sarcástico, um Labéu1! Não sabia ela que se tratava de uma cachaça de nome Atrás do Saco. Noites agarrou o infeliz pela camisa e puxou-o com força, devido Etílico da Silva já estar com a cabaça cheia de pinga.
Este deixou o corpo ir direto à mulher, a quenga de nome Esmeralda não suportou-o e arriou, Esmeralda e o aborrecido foram direto ao chão. Esmeralda ficou inerte deitada de costas com as pernas abertas e com os joelhos dobrados no ar e os calcanhares no chão. Etílico da Silva ficou entre as pernas da rapariga.
Os olhares assolaram o acorrido, só se ouvia o silêncio. Vieram os murmurinhos, depois uma sonora gargalhada, quando Etílico gritou:
-- Vampira! Vampira desdentada!
A rapariga não tinha os dois incisivos centrais, mas tinha os centrais decíduos. Esmeralda deu uma mordida no ombro do mequetrefe. Ela não tinha os quatro dentes frontais, entrementes ela havia desenvolvido técnicas eficientíssimas para fazer bons estragos nessas situações. E que estragos!
Amoroso Noites e Dias surtou, amalucou, não suportou a cena, a ofensa e as gargalhadas. Pegou o palhaço do Etílico pelo fundo das calças e esbofeteou o pau biriteiro, foram vários safanões no pé da oreia, tapas com a mão fechada e tantos foram os bofetões que Etílico primeiro vergou, depois acabrunhou e em seguida arriou-se.
Não se aguentava mais em pé, por fim, Amoroso levou o infeliz para fora do bar, deu-lhe um último tapa na tábua do pescoço e despachou Etílico com um pontapé no cóccix. Não se sabe como, mas Etílico levantou-se após o ponta pé, desceu a Rua dos Beiços Amassados e nunca mais foi visto.
Esmeralda aprumou-se um tanto quanto acabrunhada. Infelizmente ao cair o vestido, passou por uma ferpa e o rasgou, deixando o prolongamento da perna esquerda toda exposta. Devido à peça intima que ficava debaixo do vestido ser curtíssima, toda a anca do lado esquerdo estava a mostra, encabulada sentou-se numa cadeira que estava próxima e ali permaneceu amuada.
Amoroso Dias e Noites lhe providenciou um vestido através de uma dama solícita que acompanhava um frequentador do bar. Esmeralda e Amoroso tomaram uns goles da cachaça Atrás do Saco, cachaça boa e muito apreciada por todos. Naquela noite o nome da cachaça não foi pronunciada, apenas servida. As 2:00 da manhã Amoroso pegou uma garrafa da cachaça e desceu a rua Dos Cachorros Loucos com destino ao seu pardieiro.
1 - Mancha na reputação. = Desdouro, Mácula
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 22/01/2016
Alterado em 23/02/2016
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