Textos


 
Um olhar a Deriva 

Capítulo I 
Uma Dúvida. 
 
O dia estava muito úmido, pouco sol, às vezes um facho de luz sim, às vezes não, mais para menos e menos para sim, as nuvens eram muitas e de cor pálida, uma cor que dá vontade de chorar, parecia que o céu encolhera e começou arrochar a cidade toda, as nuvens eram muito densas, pesadas, o número de nuvens que estacionavam sobre a cidade era maior que o número de nuvens que zarpavam. 

A rua estava escorregadia, rua antiga, pavimentada com pedras preta, esta já fora um dia uma rua quase perfeita, as pedras se encaixavam em detalhes calculados até nos milímetros, uma ladeira íngreme, a calçada feita em pedra-rosa, calçada estreita. 

A Rua Brejo Raso fica no Bairro dos Aflitos, bairro calmo, iluminação pobre, ficava a um tiro de arco da Praça Filhos de Zeus, com mais dois tiros de pedras ficava a capela Coração de Jesus no centro da cidade. A rua hoje não é mais quase perfeita, algumas pedras elevaram, outras rebaixaram mais e outras se afastaram, algumas até giraram.  

Às vezes o cavalo tropeça, o coche balança, o cocheiro irrita, o chicote estala, o passageiro calcula mais dois quartos de horas para chegar ao destino. 

Neste dia, 6 de junho de 69 nasceu Oscar Alho das Lamas, na Rua Brejo Raso, numa casa de paredes de cor areia, telha de barro, piso de madeira, os quartos não eram muitos, mas não menos de três, a sala de visita não tinha fotografias, mas quadros de afrescos, eram três, Diotima, Aspásia a cortesã e Frigga, todas em tamanho real e um guache de Afrânio Pessoa Castelo Branco perto da porta que dá passagem à sala de jantar. 

Oscar Alho estava no regaço da mãe, ela estava de braços nus, a pele arrepiava devido há uma corrente de ar gélido que rompia pelas frestas de uma janela fechada com desleixo. O nascimento de um ser que representa esperança e inocência pode ser visto como um fruto de malícia ou pecado? 

Delícia das Costas Lamas, a progenitora, deixou os olhos vagarem pelo corpo do rebento, um tanto quanto inerte, bracinhos roliços e curtos, um peito alto, todavia estreito, pernas longas e fortes, pés enormes, dedos cumpridos, o rosto não era comprido, mas também não é de todo arredondado.

Olhos negros, nariz não pontiagudo, lábios carnudos e largos, as mãos eram tão grandes quantos os pés, a criança era perfeita, bonita. As mães sempre acham suas crias lindas, a pele não era branquinha, branquinha não, era uma pele cor bege clarim, suave, parecia pele de pêssego, sedosa. 

Não houve choro, lágrimas ou soluços, apenas engolia algo, sem tirar os olhos de Oscar Alho dizia em voz baixa, quase sussurrando aos ouvidos daquele serzinho que tinha nos braços: 

__ Deus é pai, não é padrasto, tenho Deus como testemunha e tenho a sua luz que me alumia toda a minha paz. 

A tez de Delícia era branca, olhos pequenos e verdes, lábios finos, boca miúda, dentes sempre brancos como uma mandioca descascada, os braços longos, mas não muito fortes, pernas roliças que combinavam com suas ancas firmes, cabelos longo e muito preto, pescoço longo.
  
O olhar de Delícia a diferenciava das demais mulheres da cidade, seu olhar era assim meio esguelhado, meio matreiro, era sempre altiva ao caminhar, cabeça ereta, mas os olhos fixos no caminho, atenta a tudo e à sua volta, as mulheres percebiam

Delícia descortinava todos, mas os olhares nunca se encontravam, assim era com os homens, observava todos, mas nem todos interceptavam seus olhares, apenas aqueles ou aquele que ela permitia. 
 
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 20/01/2016
Alterado em 15/10/2021
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